segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Wladimir Maiakósvski


[Esperança, quadro de Gustav Klimt que se encontra no MoMA - Museum of Modern Art of New York]
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Nestes últimos vinte anos
nada de novo há,
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também porque razão
haveríamos de ficar tristes?
o mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras,
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

Wladimir Maiakósvski (1927)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

feliz ano velho

abaixo da linha do equador
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estamos no fim do ano, e não posso me esquivar de uma lista básica. das coisas que faz a vida ter mais graça: música, cinema, a cidade e os queridos seres que dão cor e movem minha vidinha. segue, então, uma pequena lista, completamente pessoal e subjetiva, sem critérios, nem hierarquias...
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fazer o clipe Costa Rica, do grupo de hip-hop Costa a Costa, foi o melhor de 2007: o resultado agradou a gregos e baianos. e foram três dias de trabalho e entusiasmo, em companhia dessa gente linda, elegante e sincera, percorrendo os espaços maravilhosos da cidade, em lugares que nos espantam e fazem de qualquer feliz roteiro uma feliz realização, que se re-escreve numa paisagem naturalmente generosa, que dispensa qualquer efeito especial... essa luz que se derrama sobre nós, sobreviventes do céu e inferno, que fica bem abaixo da linha do equador.
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gente é prá ser feliz...
para os amigos e parceiros, que fizeram acontecer encontros bacanas em 2007, de trocas afetivas e de trabalho, desejo que as afinidades que nos unem, sejam cada vez mais radical e esteticamente eletivas, em todo o resto de nossas existências. são vocês, mais que especiais, deliciosos interlocutores da vida que pulsa debaixo da linha do equador: Valdo Siqueira (não suporto viver longe dele), Leonardo (cúmplice de todas as horas), Ricardo (sem ele, a rotina dos dias não tem requinte, nem humor), Alexander (parece que nos conhecemos faz um século), Don L. (parceiro querido e amigo) + Nego Gallo, Flip Jay, Junior D. e Preto B (o jogo é de vocês, “tão ligados”?), Natália (doce bailarina de imagens), Paulo (sem suas aflições, tudo fica monocromático), Philipi (falta tempo para tanta boa conversa), Valentino (o mais destemido, um caso irrecusável de adoção), Bruno (que suporta as dores do mundo e esquece as suas), Lídia (nêga maluca e especial), Gabriel (comentarista precioso) Luís (uma figura sólida e essencial), Bia e as Danieles (em silêncio, elas já falam demais), Helder (quem nos conduz, tranqüilamente).
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Divas

Amy Winehouse e Mari (Chambao) nesses clipes geniais.





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Império dos sonhos, David Lynch



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confesso minha atração pelas narrativas não-lineares. na vida e na arte. afinal, nossas vidas são narrativas em linhas desordenadas, onde personagens e fatos seguem, conexos, desconexos, com trilhas sonoras e eventos que ora nos surpreendem, nos alegram, nos entediam ou nos aterrorizam. confesso também minha atração pela obra de David Lynch. vi tudo, dos episódios da cult série televisiva “Twin Peaks” até mesmo o filme trash “Encaixotando Helena”.
uma coisa que atrai em Lynch é que ele costumar dar nocautes nos espectadores, no primeiro ou no último da fila. no especialista ou no mais desavisado. Lynch faz o que quer no cinema e deixa suas marcas em boas narrativas fílmicas. "Inland empire" título original, traduzido aqui por "Império dos sonhos" é sim um tenso e angustiante pesadelo vivido pela atriz Laura Dern (outra diva) que necessita da participação, ou familiaridade do espectador com a linguagem do diretor - para montar o mundo em que a protagonista se encontra presa, um mundo de terror. à medida que é possível juntar os fragmentos dessa narrativa, qualquer um pode sentir falta de um manual para sobreviver ao filme... mas também, é possível montar o quebra-cabeças que de modo geral, me parece, conter fragmentos de toda a obra do diretor. ou de outro modo, seguir as pistas e desvendar essa história descontínua, plena de códigos quase inteligíveis, também clichês, mistérios e estranhas obsessões: esse o submundo de Lynch. mas também de qualquer pessoa comum. sim, cinema-arte, sem concessões. e adoro isso.
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bem vindos ao dessert do Natal!
em 2008 que se cumpram as promessas de felicidade.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

despertar



hoje acordei cedo. sempre acordo cedo, maldito despertar de minha consciência. meus olhos, vermelhos, insistem em abrir, resisto. viro pro lado, pro outro. ainda é escuro lá fora e esse vento atravessa o quarto. meus olhos abrem e observam a desordem espalhada no quarto, em imagens que chegam lentamente com o amanhecer.tenho muito prá fazer no dia, levanto então. faço um café, e depois um cigarro.hoje acordei com o mundo me consumindo...

sábado, 8 de dezembro de 2007

des images


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beaucoup de poèmes pourraient décrire mon affection pour toi.
mais je n'écris pas de poèmes... je peux seulement dire ce qui reste ici, les significations de nos conversations sobres et presque ivres aussi, sensibles et parfois très tranquilles. à un passé rapide les jours que nous vivons joints, mais ils me paraissent comme un siècle... j'attends encore qui peuvent suspendre le temps entre nous, et rire à près des choses amusantes, écouter beaucoup de bonnes musiciennes, faire de nouveaux trajets dans les autres villes, parler quelque chose d'une philosophie mondaine, prendre une bière glacée, danser un samba, regarder des images de l'enfance, et peut-être gagner cette distance qui nous sépare...
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the divine image

to mercy, pity, peace, and love
all pray in their distress;
and to these virtues of delight
return their thankfulness.

for mercy, pity, peace, and love
is god, our father dear,
and mercy, pity, peace, and love
is man, his child and care.

for mercy has a human heart,
pity a human face,
and love, the human form divine,
and peace, the human dress.

then every man, of every clime,
that prays in his distress,
prays to the human form divine,
love, mercy, pity, peace.

and all must love the human form,
in heathen, turk, or jew;
where mercy, love, and pity dwell
there god is dwelling too.


William Blake in Songs of Innocence

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O mundo estava no rosto da amada



O mundo estava no rosto da amada -
e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

Rainer Maria Rilke, Tradução: Augusto de Campos.

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"Ah, mas que significam os versos, quando os escrevemos cedo! Devia-se esperar e acumular sentido e doçura durante toda a vida e se possível durante uma longa vida, e então, só no fim, talvez se pudessem escrever dez versos que fossem bons. Porque os versos não são, como as gentes pensam, sentimentos (esses têm-se cedo bastante), – são experiências. Por amor de um verso têm que se ver muitas cidades, homens e coisas, têm que se conhecer os animais, tem que se sentir como as aves voam e que se saber o gesto com que as flores se abrem pela manhã. É preciso poder tornar a pensar em caminhos em regiões desconhecidas, em encontros inesperados e despedidas que se viram vir de longe, – em dias de infância ainda não esclarecidos, nos pais que tivemos que magoar quando nos traziam uma alegria e nós não a compreendemos (era uma alegria para outro -), em doenças de infância que começam de maneira tão estranha com tantas transformações profundas e graves, em dias passados em quartos calmos e recolhidos e em manhãs à beira-mar, no próprio mar, em mares, em noites de viagem que passaram sussurrando alto e voaram com todos os astros, - e ainda não é bastante poder pensar em tudo isto. É preciso ter recordações de muitas noites de amor, das quais nenhuma foi igual a outra, de gritos de mulheres no parto e de parturientes leves, brancas e adormecidas que se fecham. Mas também é preciso ter estado ao pé de moribundos, ter ficado sentado ao pé de mortos no quarto com a janela aberta e os ruídos que vinham por acessos. E também não é ainda bastante ter recordações. É preciso saber esquecê-las quando são muitas, e é preciso ter a grande paciência de esperar que elas regressem. Pois as recordações mesmas ainda não são o que é preciso. Só quando elas se fazem sangue em nós, olhar e gesto, quando já não têm nome e já não se distinguem de nós mesmos, só então é que pode acontecer que, numa hora muito rara, do meio delas se erga a primeira palavra de um verso e saia delas".


Rainer Maria Rilke in Os Cadernos de Malte Laurids Brigge, tradução de Paulo Quintela