quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

George Orwell Derrotado



A expressão down and out - utilizada no boxe quando o jogador é nocauteado e não se levanta – define a situação vivenciada por um jovem escritor e jornalista inglês, em Paris e Londres, no final da década de 1920. Traduzido como Na pior em Paris e Londres o livro de estréia de George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, trata-se das observações da condição humana na pobreza, quando o curso da revolução industrial afinava as regras do jogo e dividia irremediavelmente o mundo entre pobres e ricos
Down and out em Paris e Londres foi recusado pelas Editoras Jonathan Cape, Faber & Faber – mesmo recomendado por T.S.Eliot, e seria publicado, em 1932, pelo editor Victor Gollancz – padrinho literário de Ford Madox Ford, desde que suprimidos os nomes, palavrões e passagens inteiras.
O relato de Orwell sobre o mundo do lúmpen de Paris e Londres, inaugura, segundo pósfacio de Sérgio Augusto, um tipo de jornalismo literário “que podemos chamar de existencial – e que nada mais é do que uma grande reportagem escrita e plenamente vivida na primeira pessoa.”
Em Paris, Orwell aportou na primavera de 1928, em busca de um lugar barato para se iniciar como escritor. No entanto, sem dinheiro, se instalou no Quartier Latin, num hotel de quinta, numa rua com “casas altas e leprosas” e viveu a condição de desempregado e depois lavador de pratos (plongeur) de um hotel de luxo. Sua descrição sobre as péssimas condições de trabalho na cozinha do hotel é desalentadora: “quanto mais se paga pela comida, mais suor e cuspe se é obrigado a engolir”(...) – a narrativa é atravessada pela voz de seus companheiros migrantes, que com suas histórias intrigantes, engraçadas, trágicas, sobre viciados, homossexuais, ladrões e chantagistas, revelam situações de sobrevivência de seres a deriva, que perderam definitivamente sua humanidade.
De Paris seguiu para Londres em 1929, atraído por uma promessa de emprego que não vingou. Passando a perambular sem dinheiro, lança olhares sobre as diferenças das cidades e sente falta do ar febril, da vida ruidosa dos becos e das praças de Paris. Os parques de Londres não ofereciam nem mesmo bancos aos mendigos, era preciso pagar para se sentar. O relato da mendicância é espantoso: as condições dos albergues, a sobrevida de milhares de pessoas garantida pelo estado. Nos capítulos finais o relato ganha aspecto acadêmico, traz uma espécie de glossário sobre as gírias e os palavrões londrinos utilizados à época; dados oficiais dos sem-tetos espalhados nos albergues; a classificação de ideais tipos de mendigos; uma categorização dos tipos de acomodações, apreciações gerais sobre a Lei da mendicância e um rol de sugestões para melhorar a condição dos mendigos.
Orwell recomenda ao leitor ler esse “mundo que o espera, se alguma vez você ficar sem dinheiro” como uma história banal, “um diário de viagem”. Uma viagem bem contada. Mais que uma obra de jornalismo literário, esse livro é um relato antropológico sobre a alma das ruas das duas metrópoles e também lições práticas, que no fazem descobrir com o autor que a pobreza tem seu lado redentor: “ela aniquila o futuro.”


George Orwell.
Na pior em Paris e Londres
São Paulo: Companhia das Letras,2006 (255 pgs)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Narrativas extraordinárias



Esses dias terminei a leitura de Contos Fantásticos do Século XIX, organizado por Ítalo Calvino. A narrativa fantástica, nos diz Calvino nasce no terreno da filosofia dos séculos XVIII e XIX. E seu tema é, pois, “a relação entre a realidade do mundo que habitamos e conhecemos por meio da percepção e a realidade do mundo do pensamento que mora em nós e nos comanda.” No prefácio uma distinção entre o fantástico e o maravilhoso: Todorov, em sua Introduction à la littérature fantastique (1970), afirma que aquilo que distingue o “fantástico” narrativo é precisamente uma perplexidade diante de um fato inacreditável, uma hesitação entre uma explicação racional e realista e o acatamento do sobrenatural. Entretando, a personagem do incrédulo positivista que aparece freqüentemente neste tipo de narrativa, vista com piedade e sarcasmo porque deve render-se ao que não sabe explicar, nunca é contestada em profundidade. De acordo com Todorov, o fato extraordinário que o conto narra deve deixar sempre uma possibilidade de explicação racional, ainda que seja a da alucinação ou do sonho (boa tampa para todas as panelas). Já o “maravilhoso”, também conforme Todorov, se distingue do “fantástico” na medida em que se pressupõe a aceitação do inverossímel e do inexplicável, tal como ocorre nas fábulas das Mil e uma noites.
Esses relatos extraordinários nos fazem crer protagonistas ou autores de algumas daquelas histórias - nossa mente revela-se na aparência de histórias banais, que nos inquietam misteriosa e aterradoramente. Essa, pois a essência desses contos que felizmente atravessam as cores do tempo. Os contos escolhidos são de autores como Honoré de Balzac, Walter Scott, Ernst Hoffmann, Nikolai Gogol, Edgar Allan Poe, Charles Dickens, Guy de Maupassant, Robert Stevenson, Henry James, Rudyard Kipling, entre outros.
Ernst Hoffmann, em O Homem de Areia (Der Sandmann – 1817), nos impressiona. Mas antes ele nos adverte: “talvez, caro leitor, te convenças de que nada é mais fantástico e extraordinário que a vida real e de que o escritor não é capaz de apresentá-lo senão como um obscuro reflexo num espelho embaçado.” O Homem de Areia inspirou a obra de Offenbach e é referência num ensaio de Freud sobre “o estranho”. É um conto sobre o bicho papão - tão aludido pelas mães para sossegar seus filhos – um fantasma que habita nosso inconsciente e que pode se manifestar de forma bastante misteriosa. Mas trata-se, no entanto, dos conflitos interiores - que envolvem o homem e que podem assumir dimensões sombrias, o poder que está dentro de nós, que lhe damos formas e nomes, perpetuando-o sigilosamente. ‘Mas se tivermos firmeza e serenidade suficientes para reconhecer as influências externas adversas, tal como realmente são, e seguirmos tranqüilamente o caminho apontado pela nossa inclinação e vocação, esse misterioso poder está fadado a fracassar em sua lida inútil para chegar a forma que é o reflexo de nossa própria imagem (...) os conflitos que nos afligem são fantasmas de nossos próprio eu... cuja íntima ligação e cuja influência profunda sobre o nosso espírito nos precipitam no inferno ou nos alçam ao céu.” O homem de areia, o bicho papão, ou outro nome que lhe é dado, nos diz muito das fantasmagorias que nos tocam desprevenidos - aquilo que se vê, ou se projeta como realidade, enfim, o que pode provocar uma neblina, ou um estado de vigília, nessa guerrilha com imaginários seres que nos pertencem.

Contos fantásticos do século XIX, escolhidos por Italo Calvino, São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

sábado, 3 de fevereiro de 2007

El amante


para cinéfilos, iniciantes e amantes em geral da sétima arte a revista argentina El amante sempre traz agradáveis novidades, além de críticas de cinema, lançamentos, mostras, etc., el amante é também uma escola de audiovisual. nesses meses de verão (em argentina) e nessas latitudes também a escola traz, entre outros, os cursos Pedro Almodovar. La movida trágica, por Eduardo Rojas; Disparen contra el neorrealismo (Antonioni, Pasolini, Bertolucci), por Gustavo J. Castagna; Hitchcock, el hombre que temía demasiado, por Leonardo D' Esposito e Peter Weir, un hombre de dos mundos, por Eduardo Rojas. na página pode-se, ainda, assinar o boletim eletrônico da revista.